A ideia é que “Vitória” e “Parajuru” fiquem em cativeiro natural se readaptando ao ambiente e, assim que aptos, sejam reintroduzidos no estuário da APA da Barra do Rio Mamanguape, região com atributos ecológicos que propiciam a existência da espécie
Era madrugada do dia 1º de janeiro de 2015, quando a equipe do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho (PVPBM), da Fundação Mamíferos Aquáticos, foi acionada para fazer um resgate de um filhote de peixe-boi marinho que havia encalhado vivo na Praia do Oiteiro, localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape, litoral norte da Paraíba. Quem o encontrou foram dois pescadores da região, “Seu Canário” e “Seu Passinho” – foi “Seu Passinho” inclusive que batizou o filhote com o nome de “Vitória”. A equipe do PVPBM, junto com a APA, prestou os primeiros atendimentos ao animal, que ainda apresentava resquícios de cordão umbilical. “Vitória” estava bem fisicamente, pesava 39 kg e media 131 cm. Na ocasião, a equipe verificou se a mãe estava próxima ao local do encalhe para tentar reintroduzir o filhote, porém não foi encontrada. Sendo assim, “Vitória” foi encaminhada para a sede do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste – Cepene/ICMBio - na Ilha de Itamaracá (PE), onde recebeu o tratamento adequado. Agora “Vitória”, uma fêmea saudável - com 4 anos de idade, 404 kg e 2,70 m de comprimento - está pronta para encarar um novo desafio. No próximo dia 17 de abril, ela vai voltar para a APA da Barra do Rio Mamanguape, onde passará por uma etapa de readaptação ao ambiente natural e, assim que apta, será reintroduzida na natureza.
Junto com “Vitória” também está indo “Parajuru”, um peixe-boi marinho macho, com 6 anos de idade, 335 kg e 251 cm de comprimento. “Parajuru” foi encontrado ainda filhote encalhado numa na praia de Parajuru, Beberibe (CE), no dia 17 de janeiro de 2013. Foi resgatado pela equipe da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (AQUASIS), pesando 32,5 kg e medindo 126 cm. Na sede da Aquasis, ele recebeu os primeiros atendimentos, e, no dia 25 de janeiro de 2013, Parajuru foi transferido para o Cepene/ICMBio, na Ilha de Itamaracá (PE). No litoral norte da Paraíba, na APA da Barra do Rio Mamanguape, “Parajuru” e “Vitória”, que hoje se encontram em oceanários, ficarão em um amplo espaço (de 4.131 m²), construído em ambiente natural (em água estuarinas, no manguezal) pelas equipes do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho, da APA da Barra do Rio Mamanguape, da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Manguezais da Foz do Rio Mamanguape, CEPENE/ICMBio e voluntários da comunidade local. Eles serão os primeiros a inaugurar este espaço direcionado a peixes-bois marinhos em fase de readaptação e aos que precisem de cuidados clínicos especiais. A ideia é que, assim que aptos, os animais sejam reintroduzidos no estuário da região.
De acordo com o médico veterinário e pesquisador João Carlos Gomes Borges, coordenador do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho – realizado pela Fundação Mamíferos Aquáticos e patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental –, o processo de readaptação dos animais ao ambiente natural é de extrema importância para a conservação da espécie, que atualmente se encontra “Em perigo” de extinção no Brasil. “Dentro da estratégia nacional de conservação do peixe-boi marinho, estão previstas as reintroduções dos espécimes que encalharam e posteriormente foram reabilitados. No Nordeste, só existia uma estrutura semelhante a esta que abrigará “Vitória” e “Parajuru”, e está localizada em Alagoas. Este espaço de readaptação da Barra do Rio Mamanguape vai então agregar e otimizar os esforços em prol da soltura dos animais no nordeste brasileiro. Com este cativeiro, daremos maior celeridade a este processo de reintegração de peixes-bois aos ambientes naturais”.
De acordo com o pesquisador, a APA da Barra do Rio Mamanguape é uma região propícia para essa reintegração da espécie. “Trata-se de uma das principais áreas de ocorrência de peixes-bois marinhos no Brasil, é um local que ainda dispõe dos principais atributos ecológicos que propiciam à existência da espécie, contando com um importante estuário, ambiente marinho, fontes de alimentação, qualidade hídrica, águas calmas e protegidas, e, além disso, trata-se de uma área de proteção ambiental”, ressalta João Carlos Gomes Borges, coordenador do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho.
“A APA da Barra do Rio Mamanguape, Unidade de Conservação Federal do ICMBio, é uma região histórica na reintrodução de peixes-bois marinhos. Inclusive, quando foi criada, no início da década de 90, teve como objetivo principal a preservação dos habitats essenciais para a vida do peixe-boi”, complementa Leonardo Messias, coordenador do Cepene. Hoje, alguns dos espécimes que foram reintroduzidos utilizam esta área, a exemplo de “Mel” (hoje com 15 anos), “Puã” (14 anos), “Zelinha” (16 anos) e “Iara” (12 anos). Estes animais são monitorados diariamente pelas equipes do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho e da ARA ARIE da Barra do Rio Mamanguape, com auxílio de tecnologia satelital e VHF, e são acompanhados por avaliações clínicas periódicas.
“Nós entendemos que a estratégia de conservação do peixe-boi marinho integra diferentes instituições de pesquisa, instituições governamentais, não-governamentais e, sobretudo, a sociedade. Os processos de resgate (com participação da comunidade), reabilitação, e agora de readaptação e posteriormente de soltura e reintrodução de “Vitória” e “Parajuru” (e tantos outros animais que passaram por todos esses processos) - além é claro dos trabalhos de acompanhamento, monitoramento, pesquisa e educação ambiental - são exemplos disso”, enfatiza João Carlos Gomes Borges.
De forma responsável, dentro das normativas estabelecidas, e em horários determinados, o cativeiro em ambiente natural ficará aberto para visitação da comunidade e de turistas que vierem conhecer a região, com o objetivo de contribuir na sensibilização e conscientização da sociedade sobre a importância da conservação da espécie. O Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho - realizado pela Fundação Mamíferos Aquáticos e patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental - é uma estratégia de conservação e pesquisa para evitar a extinção desta espécie no Nordeste do Brasil e conta com a parceria da APA da Barra do Rio Mamanguape e o CEPENE/ICMBio. Atua nas áreas de pesquisa, tecnologia de monitoramento via satélite, manejo, educação ambiental, desenvolvimento comunitário, fomento ao turismo eco pedagógico e políticas públicas.
INAUGURAÇÃO DO ESPAÇO
Na ocasião da chegada de “Vitória” e “Parajuru” à APA da Barra do Rio Mamanguape, haverá também a inauguração do espaço para a readaptação de peixes-bois marinhos em ambiente natural, que começou a ser construído em outubro de 2018 e foi concluído em março de 2019, pelas equipes do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho, da APA da Barra do Rio Mamanguape, da ARIE Manguezais da Foz do Rio Mamanguape, CEPENE/ICMBio e voluntários da comunidade. O local receberá o nome de JOCÉLIO DE BRITO (em memória), que foi funcionário do Projeto Viva o Peixe-Boi Marinho e, que, junto com a sua família, foi um defensor incansável da conservação do peixe-boi marinho no Nordeste do Brasil, participando ativamente da construção do espaço. As equipes prestarão uma homenagem à família Brito e à comunidade da Barra de Mamanguape. Nas margens do estuário, haverá também um café da manhã comunitário.
Foto: Luciano Candisani/ Acervo FMA